Ary Vidal morreu no Rio de Janeiro nesta segunda
(Foto: Divulgação)
Histórias de técnicos que mudam o jogo no intervalo se espalham por
todos os esportes, mas, trocando a ordem das palavras, técnicos que
mudam a história do esporte no intervalo são raros. Quando a seleção
brasileira de basquete foi para o vestiário na metade da decisão dos
Jogos Pan-Americanos de Indianápolis, em 1987, carregava o peso de uma
derrota por 14 pontos. As palavras do treinador Ary Vidal a portas
fechadas para seus comandados, ainda que tenham sido apenas "voltem lá e
joguem", mudaram a trajetória da bola laranja no Brasil. Oscar, Marcel
& Cia voltaram, jogaram, reagiram e arrancaram uma medalha de ouro
memorável no quintal dos americanos. Não foi o maior feito do basquete
verde-amarelo, mas foi o mais emblemático. Lembrado até hoje pelos
torcedores, 25 anos depois, o triunfo ganhou uma nota triste nesta
segunda-feira. Aos 77 anos, Vidal morreu em sua casa no Rio de Janeiro e
transformou em memória mais de meio século de dedicação à modalidade
que amava.
O enterro será nesta terça-feira, às 11h, no Cemitério do Caju, na zona
norte do Rio de Janeiro. O velório acontece de 8h às 11h, na capela F.
Em sua homenagem, a Liga Nacional de Basquete (LNB) respeitará um minuto
de silêncio em todas as partidas do NBB que serão disputadas nesta
segunda e quinta-feira.
Portador de problemas renais e cardíacos crônicos, Ary Vidal apresentou
um quadro agudo e foi internado em estado grave no dia 23 de outubro do
ano passado no Hospital São Lucas. No dia 28 de dezembro, quando
completou 77 anos, deixou o CTI e foi transferido para o quarto.
Ary Vidal, no canto direito inferior, com a seleção após a conquista do Pan de 1987 (Foto: Arquivo / CBB)
- É um momento muito triste para o esporte brasileiro, e muito mais
difícil para mim, que sou amigo pessoal dele. O Ary foi um dos melhores
profissionais que o basquete já teve, um técnico que deixou sua marca
por onde trabalho - declarou o presidente da Confederação Brasileira de
Basketball, Carlos Nunes.
- O Brasil perde um dos maiores treinadores de todos os tempos, não só
do basquete, mas de todo esporte nacional. O Ary tinha a capacidade
imensa de lidar com as estrelas e tirar o máximo de cada atleta. Ele era
um verdadeiro líder - destacou o presidente da LNB, Cássio Roque.
O ouro no Pan de 1987 é a imagem mais marcante da carreira de Ary
Vidal, mas outros grandes momentos se enfileiraram desde 1959, quando
iniciou os trabalhos de técnico ao assumir o Tijuca Tênis Clube, no Rio.
Passou por diversos clubes, incluindo Flamengo, Vasco, Fluminense,
Minas, Uberlândia e Corinthians de Santa Cruz do Sul, pelo qual foi
campeão brasileiro em 1994.
Pela seleção brasileira, o treinador chegou a comandar a equipe
feminina, mas por um período curto - em 11 partidas, venceu oito e
perdeu três. Na masculina, construiu uma trajetória muito mais sólida,
com 124 jogos.
O ponto alto foi a consagração em Indianápolis. Naquela época, os
Estados Unidos ainda não usavam os astros da NBA em competições
internacionais. Mas o time universitário que defendeu o país em 1987
tinha craques do nível de David Robinson, que mais tarde se tornaria um
dos maiores pivôs da liga profissional.
Os donos da casa massacraram o Brasil no primeiro tempo, chegaram a
abrir 22 pontos e foram para o intervalo com 14 de vantagem. Àquela
altura, a torcida não imaginava que o ouro podia escapar. Mas o time de
Vidal voltou endiabrado para a segunda etapa e conseguiu uma virada
improvável, quase impossível. Inspirado, Oscar Schmidt foi o cestinha da
final com 46 pontos, seguido pelos 31 de Marcel. A choradeira na quadra
após a vitória por 120 a 115 está até hoje no imaginário do torcedor
brasileiro.
Ary Vidal e os campeões de 1987 recebem homenagem nos 25 anos do ouro pan-americano (Foto: CBB)
O técnico foi além daquele Pan. Já tinha comandado a seleção no Mundial
de 1978, nas Filipinas, quando o Brasil ficou com o terceiro lugar.
Depois do título em Indianápolis, levou a equipe às Olimpíadas de
Seul-1988 (quinto lugar) e Atlanta-1996 (sexto).
Com problemas de saúde, afastou-se das quadras, mas ensaiou um retorno
como diretor técnico do Flamengo em 2009. Mantinha a frequência nos
ginásios e recebia homenagens. Uma das mais recentes foi do NBB, que deu
o nome de Ary Vidal para o troféu de melhor técnico da temporada.
Por mais que tenha trilhado uma estrada sólida nos clubes e na seleção,
a imagem que ficará marcada é a daquele 23 de agosto de 1987, com a
festa na quadra em Indianápolis. Vinte e cinco anos, cinco meses e cinco
dias depois, não há motivo para festa: o basquete brasileiro fica mais
triste.